ALUVIÃO - Júlia de Carvalho Hansen

Eu poderia falar pelos seus olhos, leitor? Apresento, imagino que escrevo o controle de uma rebentação. Quando a Cristina Regadas nos convidou para fazermos essa exposição, me transformei num meteoro, bem surpreso, um tanto confuso, muito agradecido.

Eu e Mayana não nos conhecemos pessoalmente. Aluvião se deu em trocas por internet e, quase que exclusivamente, por e-mail. Nada constituiu um princípio, mas aconteceu. Eu sentia como se partíssemos de lugares opostos, ou como se as nossas respostas aos mesmos problemas fossem inversas e compossíveis. Também pela generosidade lúcida da Maya, conforme fomos freneticamente nos escrevendo, comecei a achar que nomeamos diferentemente ações semelhantes. Ou isso ou verdadeiramente conseguimos nos corresponder.

O interesse pela matéria era um elo comum. Dada a situação da distância e a vontade de encontro, resolvemos construir um túnel. O túnel e o acordeom é o meu caminho nesse acesso, em diálogo com o livro de escavação da Mayana. Temos, para o ano de 2011, o projeto de reunir os dois trabalhos em uma só publicação gráfica.

Curioso caminho de criar uma experiência de travessia que me parece (experimente ir para debaixo da terra) o texto mais difícil de escrever que já escrevi. Quando fiz os 12 exemplares copiei o cantos de estima dezessete vezes à máquina de escrever. É um texto que adoro e se resolvesse transcrever por uma quarta vez O túnel e o acordeom, seria insuportável.

Encontro de durezas: a terra tem seu ritmo, vitalidades que se espraiam. Pensamos que conversávamos na fluidez de montanhas. Sim, mas algo se deu mais veloz. Não fizemos o museu das pedras, ou elas rolaram pela água. De todo modo é mineral, como a memória do que acontece em nós. Enxurrada. Aluvião é a paragem disso.


ALUVIÃO - Mayana Redin

Los Encuentros: esto no tendría evidentemente ningún sentido se fuera de otro modo. Todo ha sido estudiado, todo ha sido calculado, no es cosa de equivocarse, no se conocen casos en que se haya descubierto un error aunque solo fuera de unos centímetros o incluso de algunos milimetros. Sin embargo, siempre noto algo que se parece a la admiración cuando me imagino el encuentro de los obreros franceses y de los obreros italianos em medio del tunel del Monte Cenis. (Especies de Espacios. Georges Perec. Editorial Montesinos, 2001.)

Este é um terreno marginal onde finalmente se encontram rios, que por sua vez depositam os destroços de uma viagem. Todo viajante traz consigo objetos que vai deixando para trás ao atravessar um terreno, o mar, ou o deserto, a substância-matéria de que é feito o mundo. Mas antes, é preciso falar da viagem que se faz sem sair do lugar: o pensamento também atravessa.

Diz-se do termo geológico “Aluvião”: depósito de sedimentos nas margens trazidos pelo fluxo de um rio. Trata-se daquele material ainda solto, que se aloca em algum lugar da margem, quando um rio diminui seu fluxo, junto com uma infinidade de matérias; pedra, pedregulho, areia, cascalho, terra, musgo, bicho, caramujo, vidas microscópicas, úmidas, que transitam entre vivas-e-mortas, em decomposição, ou em fermentação. Veja bem, é uma paragem, de quando a correnteza permite que algo aconteça nas margens. Ali, aluvião, as coisas se encontram em um nível considerável de desorganização e também de descanso – mas tudo partiu da pedra.

Logo após, retorna o rio e carrega a substância para novas margens. (Aluvião também é passagem.)

A proposta, desde o início, foi produzir aproximação, atravessar oceano, cavar túnel. Como se faz arte cavando túnel? Antes, como se faz um túnel? Agarrar o caminho é o mesmo que percorrê-lo? Sempre à procura de um componente que desse conta desse abismo que é ver e conhecer o outro, tendo ainda em nossa trajetória quilômetros oceânicos, a nossa troca é intransigente com nossos corpos... precisamos chegar perto de algo para tocá-lo?

Aluvião é essa margem: cascalho, sobras de uma convivência, onde um cava de lá e o outro cava de cá, esperando que a sorte faça encontrarmo-nos em algum lugar do caminho.


Júlia de Carvalho Hansen

Nasceu em São Paulo em 12 de janeiro de 1984.

Entre 2008 e 2009 colocou a primeira edição do "cantos de estima" em circulação no projeto 12 exemplares, destinando os livros manufaturados para pessoas diferentes, com a proposta de que interviessem no livro em um fazer. Em paralelo, continuou a escrita do "cantos de estima" que foi publicado em edição aumentada em julho de 2009.

Estudou Letras na USP, faz mestrado em Estudos Literários na Universidade Nova de Lisboa. Vive em Lisboa.


Mayana Redin

Nasceu em Campinas-SP, Brasil, e mora em Porto Alegre (RS).

Formou-se em Comunicação Social pela Unisinos, e em Artes Visuais pela UFRGS. Estudou a cidade como "máquina estética" na conclusão do curso de Comunicação e produziu desenhos e videos relacionando palavra, imagem e pensamento na conclusão do curso de Artes.Teve, em vários momentos, o deslocamento como matéria prima de estudo e criação. Morou em Viçosa (MG), São Leopoldo (RS), Porto (PT). Prepara-se para morar no Rio de Janeiro (RJ), a partir de 2011, para cursar o mestrado em Artes Visuais na UFRJ.